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O debate a respeito da atual, e grave, crise do mercado editorial brasileiro ganhou espaço em revistas semanais e na TV aberta, para além dos círculos especializados e interessados diretamente nos assuntos-problema: atraso nos pagamentos das livrarias, venda on-line ou lojas físicas, pequenas redes ou megastores, impresso ou digital, a importância da compra pelo Estado, o valor de capa justo. O debate chegou ao Programa do Bial, na TV Globo.

Em nenhum momento, ou apenas de raspão, foi mencionada a situação do autor no interior da crise. Como todos sabem é possível contar nos dedos das mãos (de uma mão?) aqueles que podem viver exclusivamente da venda do que escrevem.

Festivais literários e ocupações paralelas dentro do universo do livro – colunas em jornais, traduções, bolsas de pesquisa na área da crítica literária – são as formas possíveis de manter “escritores de domingo”. Isso antes, durante e certamente depois da atual crise.

Via de regra, autores ficam com 10% do valor de capa sobre exemplares vendidos de suas obras. Sim, uma fatia muito pequena para a peça fundamental dessa história. Mesmo supondo que seja possível dobrar essa percentagem, com tiragens médias de 3 mil exemplares, dificilmente a situação financeira para uma vida confortável dedicada aos textos estaria resolvida. Bem, se o mercado não funciona para o autor e funciona para os demais envolvidos – editoras e lojas –, há algo errado. Mas o fato é que após o fechamento da torneira do dinheiro público, as editoras também se deram mal. É sabido que grupos editoriais estrangeiros entram neste país buscando as tais compras governamentais e não exatamente leitores… O que nos leva a desconfiar que a ideia de “mercado editorial” talvez seja uma fantasia, uma ficção.

Um país que não produz livros e leitores brutaliza seus cidadãos e jamais dará um salto de qualidade em direção a um modelo de sociedade mais justa e integrada. Mesmo sendo um caminho imperfeito, me parece que o Estado deve sim interferir e financiar o “mercado editorial”. É uma área estratégica como tantas outras que dependem de verbas públicas. A literatura é tão central quanto boa parte da pesquisa científica para a formação de uma nação.

Mas deixo uma pergunta simples e acredito que não totalmente inocente: por que o Estado não pode ter um programa robusto de financiamento direto de autores? Dessa forma, seria possível combinar as compras públicas de livros (que não resolvem a situação do autor, mas permitem que as editoras sigam investindo, se profissionalizando e produzindo livros) com um modelo de produção literária. Assim, não apenas o produto livro seria estimulado pelo governo, mas também a arte livro.

Encerro com a resposta de Lourenço Mutarelli, autor, entre outros, de O cheiro do ralo (2002, Companhia das Letras) e A arte de produzir efeito sem causa (2008, Companhia das Letras) em entrevista para a Folha de S.Paulo do dia 9 de setembro de 2018 à pergunta “Você ganha bem com literatura?”.

Estou absolutamente falido. Vivo de aulas que dou no Sesc, o que não paga todas as contas.

 

O que eu ganho com livro é ridículo. Recebo 10% do preço de capa, e ainda pago 27% de imposto de renda. Não tenho dinheiro para chegar até o final do ano.

 

Vai ter uma exposição no Sesc, em novembro, com algumas coisas minhas, estou terminando umas pinturas, sem escrever neste momento. Quando começo a pintar, paro de escrever.

 

E acho que nem posso reclamar, estou numa grande editora, publico. Sou um dos que deram certo, mas dar certo com livro no Brasil é apenas isso. É muito triste.”

 

Tiago Ferro

imagem @markus spiske

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