Poemas 1999-2014 reúne os seis livros de poesia de Tarso de Melo (Santo André, 1976) e poemas esparsos mais recentes, marcando os 15 anos da edição do primeiro de seus livros, “A lapso”, de 1999, que foi seguido por “Carbono” (2002), “Planos de fuga e outros poemas” (2005), “Lugar algum” (2007), “Exames de rotina” (2008) e “Caderno inquieto” (2012), todos lançados originalmente em alguns dos mais prestigiados catálogos da poesia brasileira contemporânea. Nas palavras do poeta e crítico Guilherme Gontijo Flores, a obra de Tarso de Melo, “além de impressionar pelos poemas, o que mais chama atenção – a meu ver – é o percurso. Tanto o percurso interno dos livros, onde estão cada um dos poemas, quanto o percurso maior entre os livros (…). Esse percurso é marcado por uma crescente concretude (nada de concretismo) da linguagem e dos temas – Tarso faz parte de uma tradição de embate com o espaço urbano, de confrontamento direto com o presente, em que a poesia não serve de subterfúgio, escapatória, ou salvação. (…) É nesse mundo em conflito, permeado de dor e do desejo de poesia, que sua poesia caminha”.
Não
R$9,90Bem-vindo ao big bang verbal de Jaime Brasil, leitor. Com seu título peremptório e sua recusa programática do lirismo institucional — em que certa poesia ainda teima em se escrever “flores” —, o poeta de “Não” recolhe os estilhaços do mundo, ciente de que “estão com defeito todos os fechos da realidade”, e descrente de alumbramentos. Irmanando-se à antipoesia de Nicanor Parra, Brasil procede também pelo método eliotino da montagem, disparando imagens e espraiando seu delírio progressivo numa profusão de poemas sem título, brindando “ao mais ou menos que temos/antes que eu me dê por satisfeito”. Porém, o poeta cético não corre esse risco: “nunca tive uma fase de oásis”, afirma, “pois tudo na areia é caminho”; no entanto, prefere, “de grão em grão, fabricar meu próprio deserto”. Esse verso axiomático bem poderia definir a ars poetica de JBF, cuja práxis se compraz também na orquestração de células sonoras ou de palavras contíguas, bebendo de um “oceano abissal de absinto”, num “absoluto luto diário, que soluça sem solução”. Girando sem cessar na constelação de signos, “mordendo a carne de utopias recém-abatidas”, o poeta percorre o “caos cotidiano que parece natural e civilizado”, e nos adverte que “é do curtume que saem os meus mais caros perfumes”. A cada passo, relances da realidade vão rompendo o véu de Maya, e o poema dá conta de que “a fé move montanhas de dinheiro / e exércitos marcham sobre cadáveres de crianças”. Nessa litania laica, em que a poesia passa por ”sussurro rouco reverberando no oco de um coco / mas é o que tenho a oferecer”. o poeta recusa ainda qualquer conciliação: “pensar se depois do fim vai ser legal? / quero não, querubim”. No entanto, ao fim e ao cabo, “cada um se mostra conforme se esconde”, e ela, poesia, aflora sempre: “ara o ar, esculpe a água, fluidifica a terra”; assim como “uma nuvem grávida dá à luz um arco-íris”. Sim, a criação é contínua no universo negativista de Jaime Brasil.
Texto de Luiz Roberto Guedes.
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