Escrever é um ato de resolução. Ninguém escreve à toa. Tudo o que pensamos vem em forma de sentimento e palavra e para entender essa ponte escrevemos. Marisa Rodrigues faz isso de modo sintomático e obsessivo – sim, há que existir obsessão na escrita – e tudo o que ela diz é maior que ela. Os poemas em prosa ou prosas fluidas nascem aos borbotões para tentar aplacar o que vem primeiro, o sentimento ou a palavra e com isso falar de sua história, revolta, nascimento, feminilidade, vontade, livramento. Marisa adverte quem lê porque poeta ou não a poesia a transforma. Ela fere de morte os que permeiam seus versos à procura de candura e encontram lacerações. A alma sangra e esse sangramento é palavra. Urbe et orbi devemos saber que a poesia tem uma função dupla: a de ser escrita e de escrever quem a escreve. E de escrever quem a lê. O poema gruda na retina e de lá não sai. Para sempre a emoção da leitura vai ficar no leitor que não se livrará do poema mesmo que não o lembre. Poesia é transcendental e persecutória. Vive enquanto nos lembrarmos dela. Os poemas de Marisa Rodrigues neste Água para borboletas catalisam os sentimentos e tornam-os claros. Legíveis. Vivos. Como a ranhura dos dentes e a cicatriz da infância. Perceptível e presente.
Por Thereza Christina Rocque da Motta em 6 de fevereiro de 2018.
Outras ruminações – 75 poetas e a poesia de Donizete Galvão
R$14,90Esta é uma coletânea rara, feita em torno de temas essenciais à poesia: a amizade e a imortalidade. Assim, em vez de reunir poetas representativos de uma geração ou de dividi-los por regiões do país ou em movimentos artísticos, encontramos tão bem ordenada a produção de 75 poetas contemporâneos – a maioria brasileiros – apresentando o seu melhor e com uma solenidade inédita: trata-se de dialogar com os versos de 15 poemas de Donizete Galvão. O poeta que partiu na madrugada do dia 30 de janeiro de 2014, aos 58 anos, e que agora sobrevive tanto em seus versos, como renasce nos poemas desta antologia.
Em um dos seus “Ensaios” chamado “Da Amizade”, Montaigne, o famoso filósofo francês do século XVI, descreve o trabalho do muralista que pintava a grande parede de seu castelo. Dizia para que observassem que quase todo o trabalho eram arabescos que dirigiam a atenção para o tema central de sua pintura; e concluía que toda a sua obra, da vida inteira, eram os arabescos que escreveu e que levam a atenção do leitor para a ideia central: “O discurso da servidão voluntária”, ensaio de seu amigo Étienne de La Boétie.
A obra de Montaigne é caudalosa, monumental; enquanto o discurso de seu amigo possui apenas 37 páginas – e Étienne mais não fez porque morrera cedo.
Charles Sanders Peirce, matemático e semiótico norte-americano, do século XIX, defendia sermos imortais toda vez que alguém nos lesse e entendesse clara- mente nossas ideias, trazendo em pensamento a nossa visão do mundo.
Os 75 poetas desta edição também constroem arabescos voltados para os poemas de Donizete Galvão e se insurgem contra a sua morte: conversam com ele, o corporificam, o vivificam e o inesperado acontece: a poesia contemporânea derrota a morte de seu amigo poeta.
“Quem me lê me cria” – vaticina o verso de Donizete Galvão. E assim se fez nos diversos poemas, como diz Renan Nuernberger: “encontrá-lo outra/vez (Doni)/ nessa tarde/parada em/seu olhar (grave/ruminando/o mundo)”.
Esta é uma obra rara. Se não a mais completa, certamente a mais verdadeira reunião da poesia brasileira contemporânea.
LEANDRO ESTEVES e LEUSA ARAUJO
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