Escrever é um ato de resolução. Ninguém escreve à toa. Tudo o que pensamos vem em forma de sentimento e palavra e para entender essa ponte escrevemos. Marisa Rodrigues faz isso de modo sintomático e obsessivo – sim, há que existir obsessão na escrita – e tudo o que ela diz é maior que ela. Os poemas em prosa ou prosas fluidas nascem aos borbotões para tentar aplacar o que vem primeiro, o sentimento ou a palavra e com isso falar de sua história, revolta, nascimento, feminilidade, vontade, livramento. Marisa adverte quem lê porque poeta ou não a poesia a transforma. Ela fere de morte os que permeiam seus versos à procura de candura e encontram lacerações. A alma sangra e esse sangramento é palavra. Urbe et orbi devemos saber que a poesia tem uma função dupla: a de ser escrita e de escrever quem a escreve. E de escrever quem a lê. O poema gruda na retina e de lá não sai. Para sempre a emoção da leitura vai ficar no leitor que não se livrará do poema mesmo que não o lembre. Poesia é transcendental e persecutória. Vive enquanto nos lembrarmos dela. Os poemas de Marisa Rodrigues neste Água para borboletas catalisam os sentimentos e tornam-os claros. Legíveis. Vivos. Como a ranhura dos dentes e a cicatriz da infância. Perceptível e presente.
Por Thereza Christina Rocque da Motta em 6 de fevereiro de 2018.
Uma trincheira entre o mar e os paralelepípedos
R$9,90As apresentações são sempre de grandes dificuldades: pressupõem a mediação do outro sobre o objeto de forma escancarada, e com ele os juízos de valor, o gosto, a formação e a trajetória. Fica a encargo do outro, mostrar ou não, e quais e como são os cômodos da casa, o que vai pra debaixo do tapete e qual será o bibelô da mesinha de centro da sala.
Não se pode negar a inevitável parcialidade que todos nós leitores temos, mas cá está tentando-se configurar a apresentação do presente livro. Dividido em seis distintas partes, basicamente ordenadas pelo próprio cotidiano e o esgarçar da vida atuam dentro daquilo que se denomina por novíssima literatura brasileira marcada pela presença dos elementos do cotidiano, abandono da pesquisa antropológica, produção individual, bem como a circulação em circuitos menores que abandonam, negam e debocham da “Sagração Acadêmica”, centrando-se no correr da própria vida, das relações e circunstancias.
São os espólios do cotidiano, assinalados pelo próprio autor que se fazem presentes nas páginas a seguir: escrever e ser lido torna-se a experiência performática, o lançamento ao mundo, a sedimentação lírica da vida moderna que se projeta, se debate e se quer contínua. Já diziam os marujos que tatuavam andorinhas a cada mil léguas percorridas: al mare!
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