Escrever é um ato de resolução. Ninguém escreve à toa. Tudo o que pensamos vem em forma de sentimento e palavra e para entender essa ponte escrevemos. Marisa Rodrigues faz isso de modo sintomático e obsessivo – sim, há que existir obsessão na escrita – e tudo o que ela diz é maior que ela. Os poemas em prosa ou prosas fluidas nascem aos borbotões para tentar aplacar o que vem primeiro, o sentimento ou a palavra e com isso falar de sua história, revolta, nascimento, feminilidade, vontade, livramento. Marisa adverte quem lê porque poeta ou não a poesia a transforma. Ela fere de morte os que permeiam seus versos à procura de candura e encontram lacerações. A alma sangra e esse sangramento é palavra. Urbe et orbi devemos saber que a poesia tem uma função dupla: a de ser escrita e de escrever quem a escreve. E de escrever quem a lê. O poema gruda na retina e de lá não sai. Para sempre a emoção da leitura vai ficar no leitor que não se livrará do poema mesmo que não o lembre. Poesia é transcendental e persecutória. Vive enquanto nos lembrarmos dela. Os poemas de Marisa Rodrigues neste Água para borboletas catalisam os sentimentos e tornam-os claros. Legíveis. Vivos. Como a ranhura dos dentes e a cicatriz da infância. Perceptível e presente.
Por Thereza Christina Rocque da Motta em 6 de fevereiro de 2018.
Estado de despejo
R$14,90Estado de despejo é o terceiro livro de poemas de Ricardo Rizzo. Lançado exclusivamente em formato digital pelo selo Geleia Real, que tem coordenação de Ronald Polito.
Para Eduardo Sterzi, que assina o posfácio, “não há (…) como ser poeta, hoje, sem se defrontar com o que Ruy Belo, ainda em diálogo com os resíduos teológicos de sua formação juvenil, designou, no título de um de seus livros, «o problema da habitação». Nesse mundo, apenas a transformação do objeto em mercadoria – «rito odiado» pelo qual o «velho coração de objeto / gasto de existir / desde a pedra lascada» é exposto «a uma plateia calada» – faz-se interpretar como conquista de «uma vida / maior […] e mais livre». Compreende-se que seja, por contraposição, precisamente a «mínima vida» que interesse ao poeta: «vida mínima» ou «vida menor», diria ainda Drummond; «um pouco de vida, uma semi-vida», dirá agora Ricardo Rizzo. Trata-se, aqui, de dar atenção àquela «parcela mínima de vida», comum a homens e vírus (biologicamente, o gene; filosoficamente, diríamos com Benjamin e Agamben, a «vida nua»), que, como bem viu Oswald de Andrade, concentra numa «duplicidade antagônica» – ao mesmo tempo «benéfica» e «maléfica» – «o seu caráter conflitual com o mundo». Em ninguém essa «mínima vida» é mais aparente do que nos miseráveis: naqueles que foram reduzidos a ela. No entanto, é precisamente esse «pouco de vida» – e não a participação em qualquer plenitude mais ou menos ilusória – que constitui a região ontológica comum a elefantes e filhas inventadas, sem-teto e brinquedos quebrados, Macabéa e o corpo despedaçado de Cristo, o «bicho» que procura comida no lixo do pátio e os «velhos espíritos» que são «formas de poeira» resistentes à história e sua destruição, «o baço / que não usaram no transplante» e «alguma víscera / inicialmente não prevista».
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